Resumo da pesquisa inédita sobre Homeopatia no SUS
DA AUSÊNCIA À CENSURA DE INFORMAÇÕES SOBRE A PNPIC NO SUS: a Homeopatia concebida erroneamente como prática restrita aos médicos
Eliete MM Fagundes
Introdução
A Organização mundial de saúde (OMS) e o Ministério da Saúde legitimam as práticas integrativas e complementares como política pública de prevenção no SUS. No entanto, no que tange especificamente à Homeopatia e a Acupuntura, estabeleceu-se por meio de aparatos simbólicos que estes sistemas são restritos à prática médica oficial. Este artigo revela quais seriam estes mecanismos do pensamento cartesiano e como reverberam socialmente entre os diversos trabalhadores do SUS. Por meio de entrevistas realizadas com 178 profissionais, em 18 unidades básicas de saúde em Belo Horizonte, atesta-se a ausência de informações corretas sobre Homeopatia especificamente. A maioria dos trabalhadores do SUS desconhecem que eles próprios poderiam atuar como homeopatas, caso quisessem, ampliando as políticas de prevenção de maneira efetiva.
A homeopatia é um sistema médico cuja principal premissa, a lei do semelhante, é universal. Como conhecimento holístico, esta medicina não está restrita a nenhuma nação ou grupos específicos de forma exclusivista. Investiga-se, então, os motivos pelos quais a homeopatia é vista pelo senso comum e imaginário coletivo como prática inerente e complementar aos métodos cartesianos da medicina ortodoxa ocidental. Investiga também as razões que travam a expansão da homeopatia no Sistema Único de Saúde no Brasil (SUS), apesar de já ter sido reconhecida como parte das ações em política pública preventiva pelo Estado brasileiro por recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). O estudo aprofundado sobre os dois sistemas antagônicos – a homeopatia e a alopatia – criou condições para a melhor compreensão sobre a incompatibilidade dos tratamentos na rede pública de saúde. A alopatia é privilegiada tanto em termos estruturais quanto em termos subjetivos no SUS. Nesta perspectiva, os tratamentos tornam-se inconciliáveis, pois não há um espaço equilibrado que estimula o acesso à informação, o desenvolvimento, formação e pesquisa em homeopatia no SUS para todos os profissionais interessados, além dos médicos. O problema do monopólio do conhecimento pelo corporativismo médico é antigo, desde o Brasil colonial, e esses padrões refletem a realidade política que prevalece até os dias atuais no país. O que se observa, portanto, é que os preconceitos arraigados na estrutura psíquica são os principais fatores que impedem a tomada de poder em relação a homeopatia pelos grupos não médicos. Há subsídio legal para atuação em homeopatia por qualquer profissional interessado nesses estudos. No entanto, o que prevalece entre os profissionais da área médica e entre os médicos é a ideia de que a homeopatia está restrita àquele grupo. Esta problemática é o cerne dessa pesquisa, pois a falta de profissionais desta medicina holística no SUS compromete as ações de prevenção em saúde pública. As opiniões sobre alopatia e homeopatia são contraditórias e divergentes, porém, confirmam a hipótese de que a classe médica (salvo exceções) não é favorável a partilha dos saberes homeopáticos. Além disso, os médicos também não reconhecem a homeopatia como método de tratamento autônomo capaz de ser apreendido também por profissionais não médicos, academicamente falando.
Desenvolvimento
Há dez anos, a homeopatia, assim como a acupuntura e a fitoterapia, foi “adaptada” ao modelo sanitário brasileiro vigente, o Sistema Único de Saúde (SUS), para atender as estratégias da Organização Mundial de Saúde (OMS), no entanto, esta adaptação persiste em excluir grupos não médicos praticantes da Homeopatia e das outras terapias (Saint Martin, 2011). Sendo assim, este trabalho aponta um paralelo entre as políticas do SUS e os interesses econômicos dos grupos corporativistas que usam a biomedicina moderna para garantir o monopólio da ciência, sobretudo, o de outras racionalidades médicas.
É válido lembrar que a ciência não é cartesiana, não pertence a nenhum paradigma ou modelo teórico estabelecido pelas sociedades. A ciência não é um objeto parado no tempo, ela corresponde às consciências que a manipula, portanto, será sempre mutável, sujeita a expressões diversas e a verdades incompatíveis tanto quanto incomparáveis (Arendt, 2001). E é por isso que a homeopatia complementa sistemas de tratamentos semelhantes como o do Ayurveda e a acupuntura, em termos de respostas energéticas e orgânicas, mas entra em conflito com a alopatia. A suposta interdependência destes modelos – o alopático e o homeopático – é mais uma crença do pensamento racionalista que cria artifícios para “encaixar” medicinas tradicionais energéticas no sistema que prevalece na biomedicina no Brasil, Estados Unidos e outros países.
A problemática permeia o campo das ideias, das imagens e das representações do pensamento dogmático (Deleuze, 1988) e como estas reverberam nas variadas opiniões sem fundamentos dos profissionais da saúde sobre o modelo energético homeopático. A hipótese de que a mentalidade historicamente dominante – reflexo do racionalismo europeu – bloqueia a livre expansão dos saberes e práticas homeopáticas foi confirmada na medida em que o desconhecimento sobre os princípios do modelo homeopático e sobre a legislação que rege essa prática tradicional não vinculada a biomedicina é generalizado. As entrevistas revelam respostas contraditórias que demonstram claramente a ausência de conhecimento básico sobre o assunto. Apesar da falta de esclarecimento geral, foi constatado que a Homeopatia tem “ boa fama’ e quase todos os profissionais entrevistados se mostraram abertos a acolherem a prática nas unidades onde trabalham. No entanto, apesar da simpatia, não há ação concreta para a efetivação ampla do modelo homeopático no SUS.
CONCLUSÃO
O questionário direcionado aos 178 profissionais do SUS (entre médicos alopatas, homeopatas e demais profissionais da área da saúde, com formação superior e com formação básica) foi aplicado com o propósito de medir, respectivamente, o conhecimento desses profissionais sobre a homeopatia e a alopatia, o campo de representação o qual a homeopatia e a alopatia estão inseridas e a atitude padrão que direciona essa representação social.
Considerando as variáveis de interpretação chega-se a algumas conclusões qualitativas:
- Não há consenso de opinião sobre homeopatia entre os médicos – homeopatas ou não – porém nota-se que ainda há resquícios de preconceitos historicamente construídos pela classe corporativista;
- Não há conhecimento real sobre os princípios homeopáticos entre os trabalhadores não médicos das unidades de saúde, sejam eles instruídos em nível superior de ensino ou não;
- A homeopatia não está incluída nos interesses dos médicos alopatas, o que revela um claro obstáculo para o desenvolvimento das práticas integrativas nas unidades;
- Boa parte dos profissionais não médicos não sabem que a homeopatia pode ser estudada e praticada por qualquer pessoa que queira e ao serem informados do fato, muitos não concordam: ou porque realmente possuem a crença de que a homeopatia é para médicos (24,7%) ou abrem exceção (em suas opiniões pessoais) para os profissionais da área de saúde (18,0%); ou seja, somente médicos ou profissionais da saúde poderiam praticar homeopatia. A união destes dois percentuais superam a opinião dos 37,6% dos entrevistados, que acham que a formação em homeopatia seria o suficiente para a prática desta ciência por profissionais variados;
- A alopatia é o padrão supervalorizado no SUS e abafa as potencialidades da homeopatia. 87,6% dos entrevistados acham que a homeopatia funciona como complemento da alopatia;
- Embora os profissionais não médicos sejam abertos e nutrem uma simpatia em relação a homeopatia, o SUS não estimula a formação e a prática desta terapia pelos diversos profissionais nos seus equipamentos;
- E, por fim, não foi possível verificar a efetividade da homeopatia nos postos que a oferecem em comparação com os postos que não oferecem, pois o número de atendimentos com homeopatia é quase insignificante em relação aos outros atendimentos. Isto revela que a homeopatia e outras práticas integrativas em Belo Horizonte estão longe de terem força nos processos da atenção primária do SUS;